CONTRIBUIÇÃO DE VIGOSTSKI PARA A EDUCAÇÃO DE DEFICIÊNTES VISUAIS.

CONTRIBUIÇÕES DE VIGOTSKI PARA A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA VISUAL
Adriano Henrique Nuernberg


VIGOTSKI E A DEFICIÊNCIA VISUAL
A questão da educação de pessoas com
deficiência visual constitui uma preocupação
recorrente de Vigotski, emergindo tanto em textos em
que elabora os princípios gerais da educação de
pessoas com deficiência (Vygotski, 1997ª, 1997b,
1997d) como naqueles em que se dedica
especificamente ao problema do desenvolvimento
psicológico na presença da cegueira (Vygotski,
1997g). Ao revisar as perspectivas teóricas de seu
tempo sobre o desenvolvimento e educação de cegos,
Vigotski nega a noção de compensação biológica do
tato e da audição em função da cegueira e coloca o
processo de compensação social centrado na
capacidade da linguagem de superar as limitações
produzidas pela impossibilidade de acesso direto à
experiência visual.
O princípio de mediação semiótica do
funcionamento psíquico já ampara esse pressuposto,
pois sustenta que a partir da intersubjetividade o
acesso à realidade se realiza por meio da significação
e pela mediação do outro (Góes, 1993, 1995). A
propriedade da linguagem de conferir à realidade uma
existência simbólica é, nesse caso, elevada à sua
máxima potência. É questionável, portanto, a noção,
tão repetida nos manuais sobre a intervenção na
deficiência visual (Dias, 1998; Rocha, 1987; Scholl,
1983), de que 80% de nosso conhecimento se baseiam
na visão. Na realidade, o conhecimento não é mero
produto dos órgãos sensoriais, embora estes
possibilitem vias de acesso ao mundo. O
conhecimento resulta de um processo de apropriação
que se realiza nas/pelas relações sociais. Como diz
Vygotski (1997e),
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 307-316, abr./jun. 2008312 Nuernberg
El pensamiento colectivo es la fuente
principal de compensación de las
consecuencias de la ceguera. Desarrollando
el pensamiento colectivo, eliminamos la
consecuencia secundaria de la ceguera,
rompemos en el punto más débil toda la
cadena creada en torno del defecto y
eliminamos la propia causa del desarrollo
incompleto de las funciones psíquicas
superiores en el niño ciego, desplegando ante
él posibilidades enormes e ilimitadas (p.
230).
Nesse sentido, as limitações ficam reservadas,
para Vigotski, ao aspecto da mobilidade e orientação
espacial, visto que os processos referentes ao
desenvolvimento do psiquismo, como a elaboração
dos conceitos, ficam preservados e, inclusive, atuam
na superação das dificuldades secundárias à cegueira.
Os estudos atuais sobre a educação das pessoas
cegas que partem da teoria vigotskiana resgatam
precisamente estes argumentos para fundamentar suas
análises e, em grande parte, sustentar suas críticas à
dificuldade de acesso ao conhecimento nos contextos
de escolarização formal. Entre esses estudos temos os
de Borges e Kittel (2002), historicizando as noções
vigentes sobre a cegueira em contraste com a
perspectiva de Vigotski; a pesquisa de Caiado (2003),
que analisa as condições de educação de pessoas
cegas no contexto de educação formal, e o estudo de
Bianchetti, Da Ros e Deitos (2000), que enfoca as
novas tecnologias como vias de acesso ao
conhecimento de que as pessoas cegas dispõem na
contemporaneidade. Também merecem destaque os
estudos de Batista (1998, 2005), o qual investiga a
formação de conceitos em crianças cegas, embora a
autora não articule o aspecto da dimensão simbólica
da elaboração conceitual ao princípio de compensação
social na obra de Vigotski.
A teoria histórico-cultural também permite a
crítica às concepções sobre a cegueira que concebem
essa condição por meio da subtração da experiência
visual, reduzindo a pessoa cega à falta de visão. A
partir de um enfoque qualitativo sobre o
desenvolvimento psicológico na presença da cegueira,
Vigotski compreende que essa condição produz a
reestruturação de toda atividade psíquica, conduzindo
as funções psicológicas superiores a assumirem um
papel diferente daquele desempenhado nos videntes.
A análise desse processo, contudo, exige o cuidado de
não isolar cada função em sua particularidade e de
desenvolver a análise integral do psiquismo e dos
fatores que o constituem (Vygotski, 1997g). É nesse
sentido que o resgate do conceito de sistemas
psicológicos torna-se oportuno, por permitir relacionar
os diferentes planos de análise apresentados por
Vigotski sobre a constituição do psiquismo humano.
O conceito de sistemas psicológicos aparece no
decorrer de alguns textos do conjunto de sua obra
(Vigotski, 1998; Vygotski, 1996b) e de modo mais
enfático em textos como Sobre os sistemas
psicológicos e A psicologia e a teoria da localização
das funções psíquicas (Vigotski, 1996a). Segundo
Leontiev (1978, 1996), esse conceito representa a
solução do autor para o problema da localização das
funções psíquicas superiores, historicamente marcado
pelo fervoroso debate entre localizacionistas e
globalistas (Luria, 1991). Na definição de Vigostki,
esse conceito consiste na configuração de distintas
relações entre as funções psicológicas superiores,
formando um sistema mutável e dinâmico. Por outro
lado, esse conceito representa um dos saltos
qualitativos que resultaram do amadurecimento de sua
teoria, conforme assume no trecho abaixo:
A idéia principal (extraordinariamente
simples) consiste que durante o processo de
desenvolvimento do comportamento,
especialmente no processo de seu
desenvolvimento histórico, o que muda não
são tanto as funções, tal como tínhamos
considerado anteriormente (era esse nosso
erro), nem sua estrutura, nem parte de seu
desenvolvimento, mas o que muda e se
modifica são precisamente as relações, o
nexo das funções entre si, de maneira que
surgem novos agrupamentos desconhecidos
no nível anterior. É por isso que, quando se
passa de um nível a outro, com freqüência a
diferença essencial não decorre da mudança
intrafuncional, mas das mudanças
interfuncionais, as mudanças nos nexos
interfuncionais, da estrutura interfuncional
(Vigotski, 1996a, p. 105).
Para explicar esse processo, o exemplo mais
recorrente na obra de Vigotski é a mudança no nexo
interfuncional da memória com o pensamento no
desenvolvimento psicológico, o qual deve ser
compreendido em seu papel didático de ilustrar um
problema teórico. Vigotski demonstrou que uma das
diferenças fundamentais entre a criança pequena e o
adolescente reside no modo como estas duas funções
se relacionam, de modo que para a primeira, pensar
consiste em lembrar e, para o segundo, lembrar resulta
em pensar, visto que o pensamento assume o governo
sobre a memória e a incorpora em seu funcionamento
mediado (Vigotski, 1998). O motor desse processo é a
conversão das relações intersubjetivas em funções
psicológicas superiores, proporcionando a apropriação
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 307-316, abr./jun. 2008Vigotski e a deficiência visual 313
da ação mediada na organização do psiquismo a partir
de novas formações que vão se estabelecendo no curso
do desenvolvimento psicológico, como, por exemplo,
a formação de conceitos (Vygotski, 1996b).
Embora Vigotski valorize o plano genético, ao
apontar para a mudança das relações interfuncionais
no desenvolvimento psicológico, esse pressuposto
também é aplicado ao plano defectológico. Neste
caso, a deficiência e seu processo de compensação
social criam a possibilidade do estabelecimento de
nexos interfuncionais distintos daqueles esperados na
condição considerada normal. No que tange à
cegueira, isso se revela no papel que funções
psicológicas superiores como a memória mediada, a
atenção e a imaginação possuem na relação do sujeito
com o universo sociocultural e o modo como essas
funções se vinculam ao pensamento conceitual. De
acordo com Kozulin (1990), “Lo que el niño con
visión intacta capta mediante un acto perceptivo
inmediato el niño ciego lo entiende mediante la
imaginación y la actividad combinatoria de la mente”
(p. 194). Os nexos interfuncionais do pensamento por
conceitos, nesse sentido, tornam-se ainda mais centrais
nos sistemas funcionais organizados em sujeitos com
deficiência visual do que nos videntes. O fato de, por
exemplo, elaborarem conceitos referentes à
experiência visual por meio de analogias, cria a
necessidade de que o fundamento lógico da formação
do pensamento por conceitos tome corpo em seu
sistema psicológico.
Ainda que seja necessário investigar mais
detalhadamente como esses sistemas funcionais se
produzem e como se organizam mediante o tipo e o
momento de aparecimento da deficiência, o conjunto
dessas idéias aponta para importantes diretrizes na
intervenção junto a educandos com deficiência visual,
especialmente no que tange à educação de pessoas
com cegueira congênita ou adquirida nos primeiros
anos de vida.
Uma dessas diretrizes é que as propostas de
reabilitação centradas na estimulação dos sentidos
remanescentes estão longe do que deveria ser seu
foco: o funcionamento psicológico superior. O
desenvolvimento das funções de atenção concentrada,
memória mediada, imaginação, pensamento
conceitual, entre outras, deve ser a prioridade da
educação oferecida a esses sujeitos, tanto no âmbito
do ensino especial quanto no ensino regular. Cabe,
portanto, canalizar os esforços, promovendo através
da ação mediada a formação de sistemas funcionais
que favoreçam ao sujeito a apropriação do
conhecimento e o desenvolvimento de competências
que resultem em sua autonomia. Isso não implica,
contudo, em desprezar o papel da experiência concreta
na formação do psiquismo, mas em articular a
experiência aos processos de significação. O que se
está salientando é a importância da mediação
semiótica na apropriação dos significados culturais
que podem emergir a partir do contato com objetos
objetivamente percebidos.
Na apropriação cultural, as desvantagens que
afetam os alunos cegos em relação aos que vêem estão
em que essa apropriação demanda um empenho
deliberado nessa direção para a conquista das metas
educacionais comuns. O caminho proposto por
Vigotski para que esse objetivo seja alcançado parte
da dupla acepção que o termo mediação assume em
suas reflexões teóricas: a) como mediação semiótica,
em que ele considera que a palavra promove a
superação dos limites impostos pela cegueira, ao dar
acesso àqueles conceitos pautados pela experiência
visual - tais como cor, horizonte, nuvem, etc. - por
meio de suas propriedades de representação e
generalização; b) como mediação social, em que ele
aponta para as possibilidades de apropriação da
experiência social dos videntes. Essas duas formas
indissociáveis de mediação, inclusive, são compatíveis
com as atividades comumente desenvolvidas na
educação de cegos, a saber, a Orientação e a
Mobilidade e as Atividades da Vida Diária
5
Nestas, o .
vidente se converte em um verdadeiro instrumento de
mediação para apropriação de formas de ação sobre o
ambiente pautadas na significação atribuída a
elementos do espaço e às sensações proprioceptivas,
táteis e auditivas (Ochaita & Rosa, 1993, 1995). Com
base nesse tipo de intervenção educativa, as pessoas
cegas desenvolvem vias alternativas para atuação na
realidade, através do uso de formas de percepção
funcionalmente equivalentes à visual, mesmo tendo
por base significações que conferem às sensações
corporais e às pistas ambientais um papel diferenciado
daquele desempenhado na condição vidente.
Afora essas questões, cumpre ainda ressaltar que o
objetivo da educação de pessoas com deficiência visual
deve ser o mesmo das pessoas videntes. A despeito de
conquistarem esse objetivo por vias alternativas, em
razão de suas necessidades educacionais específicas -
como é o caso da aprendizagem da simbologia Braille
para aquisição da escrita e da leitura - cabe oferecer aos
educandos cegos as mesmas oportunidades e exigências
que são proporcionadas ou feitas aos demais alunos. Para
5
A Orientação e Mobilidade é uma disciplina voltada ao
desenvolvimento de competências para a locomoção e a
orientação nos espaços, já as Atividades da Vida Diária
agrupam um conjunto de técnicas para a autonomia no
ambiente doméstico.
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 307-316, abr./jun. 2008314 Nuernberg
tanto, valorizar suas experiências táteis, auditivas e
cinestésicas é tão importante quanto proporcionar
intervenções que favoreçam a formação de conceitos por
meio dos processos de significação, promovendo assim o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
LIVIA :pessoal achei este artigo que fala das contribuições de Vigostski para educação de deficientes no geral mas é muita coisa por isso resolvi retirar essa parte do qual ele fala dos deficientes visuais. O texto é de fácil compreensão.