Professores apontam violência nas escolas
Pesquisa inédita da Unesco feita em seis capitais mostra que 30% deles já viram arma nas mãos de alunos
Fernanda Mena e Cláudia Collucci escrevem para a ‘Folha de SP’:
A lousa, o caderno, o lápis e a borracha, tão comuns à sala de aula, não é de hoje convivem com o porte de armas, a atuação de gangues e do tráfico de drogas, o furto e a agressão física e verbal.
‘Violência contra o professor é a coisa mais comum que há em escolas. Todos têm uma história para contar’, diz o professor de geografia do ensino fundamental e médio João (todos os nomes de professores são fictícios), 38.
O depoimento de João ilustra bem o resultado de um estudo inédito da Unesco (órgão das Nações Unidas para educação e cultura). Intitulada Pesquisa de Vitimização, o estudo entrevistou, em 2003, 2.400 profissionais de seis capitais brasileiras (SP, Rio, Salvador, Porto Alegre, Belém e Distrito Federal) e apontou que 86% deles admitem haver violência em seu local de trabalho.
Segundo a pesquisa, mais de 50% dos professores afirmam haver casos de furtos nas escolas onde trabalham. Um em cada dez conhece casos de gangues e de traficantes atuando nas instituições. E 30% já viram algum tipo de arma nas mãos de seus alunos.
Adriana, 36, foi ameaçada por um aluno que fumava maconha dentro da sala e que afirmou conhecer sua casa. Artur, 30, foi assaltado no estacionamento do próprio colégio por alunos encapuzados. João mesmo tem as suas histórias: foi ameaçado de morte. Há um ano, quando alunos começaram a levar bebidas alcoólicas para a aula, ele resolveu chamar a atenção de um garoto. ‘Ele não gostou e quis crescer diante dos colegas me ameaçando. Disse: ‘Aqui dentro, o senhor pode mandar. Mas, lá fora, o senhor pode até perder a cabeça. Alguém pode cortar ela fora’’, conta.
Adriana, professora de português concursada há dez anos, conta ter tirado duas licenças, alegando motivos médicos, por conta de violência sofrida na escola.
O terror é tanto que nenhum quis ser identificado. Segundo Juçara Dutra Vieira, 54, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, a lei do silêncio predomina entre profissionais que trabalham em escolas em áreas de tráfico de drogas.
‘A violência conseguiu impor a sua lei do silêncio’, explica Miriam Abramovay, coordenadora da pesquisa da Unesco. A evidência está nos dados: 53,2% dizem ‘não saber’ se gangues atuam na escola e 61,2% afirmam ‘não saber’ se ali há tráfico de drogas. ‘O pânico é tamanho que fica mais fácil fingir que não há nada acontecendo’, diz.
‘Todo o problema do fracasso escolar vem não só da qualidade do ensino mas também daquilo que ocorre no cotidiano escolar’, diz. ‘A escola não funciona. E não está organizada nem preparada para receber a população que passou a freqüentá-la com a democratização do ensino’, afirma Abramovay. Para ela, a violência aumentou à medida que o ensino se democratizou e a escola de hoje não tem mecanismos de resolução de conflitos.
Para a educadora Elvira de Sousa Lima, que trabalha com professores na área de déficit de aprendizagem, os profissionais que lecionam em regiões como a das favelas, no Rio, já estão tão acostumados com a rotina que não atrapalha o fazer pedagógico. ‘Eles convivem com tiroteios e mortes e trabalham questões como respeito, tolerância e solidariedade.’
A pesquisa detectou uma grande banalização da violência, especialmente na rede pública. ‘Tudo parece fazer parte do cotidiano. A escola vira espaço de ninguém.’
Alunos perdem medo de repetir
Concursada há dez anos, a professora de português Adriana, 36 (o nome é fictício), diz já ter tirado duas licenças, alegando motivos médicos, em razão da violência sofrida na escola estadual onde leciona, no bairro do Ipiranga, periferia de Ribeirão Preto (SP)
Para ela, um dos motivos da vitimização dos professores foi a implantação da progressão continuada. ‘Eles perderam o medo de repetir de ano. Não há o menor respeito pelo professor.’
Para Juçara Dutra Freire, do CNTE, a progressão automática pode ‘tangencialmente’ ajudar na falta de disciplina de alguns alunos, mas não é a principal causa de violência dentro das escolas. ‘Não é uma causa muito forte. Será que se voltássemos ao que era antes, a violência diminuiria?’
Resultados
Um programa que tem apresentado resultados positivos na diminuição da violência é o Escola Aberta, elaborado pela Unesco em parceria com o MEC (Ministério da Educação), que mantém as instituições abertas nos finais de semana e promove atividades culturais e esportivas para alunos, pais e para toda a comunidade.
Segundo a Secretaria Estadual de Educação, que implementou o programa na rede com o nome Escola da Família, após um ano de funcionamento a violência contra o patrimônio havia diminuído 29%, e a violência contra a pessoa tinha sido reduzida em 27% nas escolas.
Exclusão social é principal causa
Pesquisadores e sociólogos apontam como principal razão da violência nas escolas a própria exclusão social. De acordo com a publicação, também da Unesco, ‘Violência nas Escolas e Políticas Públicas’, de 2002, enquanto nas escolas de elite, ou de classe média, os comportamentos de risco (como o abuso de drogas) são mais freqüentes, o comportamento agressivo, a violência física e os ataques a adultos são mais comuns nas escolas das classes trabalhadoras.
Para Juçara Dutra Vieira, 54, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, a violência dentro da escola é só um reflexo das desigualdades sociais de um país marcado pela competitividade e supremacia de uns sobre os outros. ‘Ela [a violência] está na sociedade e só é reproduzida na escola.’ Nesse contexto, para lidar com a violência é necessário enfrentar a exclusão e a desigualdade social.
Segundo Miriam Abramovay, coordenadora da Pesquisa da Vitimização da Unesco, a violência aumentou nas escolas justamente quando se deu o processo de democratização do ensino, ou seja, quando os jovens excluídos passaram a freqüentar as escolas.
‘Os professores, acostumados a uma elite na sala de aula, estão completamente despreparados e desamparados para a democratização.’ Para ela, ‘a sociedade é tão excludente que a escola se tornou um retrato disso, e a violência faz parte dele.’
(Folha de SP, 30/8)
Jornal da Ciência